O Cerrado chegou ao seu clímax evolutivo, “uma vez degradado não vai mais se recuperar na plenitude de sua biodiversidade”, diz Altair Sales
A Ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, anunciou em Goiânia, na quinta-feira, 17, que o governo federal irá lançar quatro pilares de sustentabilidade para o Cerrado: conservação da biodiversidade, restauração de áreas degradadas, desenvolvimento sustentável e valorização da cultura local. Infelizmente, o Cerrado tem sido alvo de desmatamento e perda de vegetação nativa. Segundo dados do projeto PRODES Cerrado, desenvolvido e operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o sistema biogeográfico perdeu 8.531,44 km² de vegetação nativa em um ano (entre agosto de 2020 e julho de 2021), um aumento de 7,9% em relação ao período anterior.
Porém, nas áreas onde o solo do Cerrado foi modificado, uma vegetação nativa não consegue mais prosperar. O solo dessa região é caracterizado por sua falta de nutrientes básicos, sendo considerado oligotrófico. Embora a melhoria da qualidade do solo beneficie outros tipos de plantas, as espécies do Cerrado não se beneficiam mais desse enriquecimento. Esse cenário torna impossível a recuperação do ambiente original em relação à vegetação e ao solo.
“Quando se retira a vegetação nativa dos chapadões, trocando-a por outro tipo, alterou-se o ambiente. Ocorre que essa vegetação introduzida – por exemplo, a soja ou o algodão ou qualquer outro tipo de cultura para a produção de grãos – tem uma raiz extremamente superficial. Então, quando as chuvas caem, a água não infiltra como deveria. Com o passar dos tempos, o nível dos lençóis vai diminuindo, afetando o nível dos aquíferos, que fica menor a cada ano”, afirma o professor Altair Sales Barbosa (em entrevista ao Jornal Opção, em maio de 2022).
Isto é, o Cerrado é um ecossistema no qual diversos elementos estão intrinsecamente interligados. A vegetação é condicionada pelas características do solo, o qual é oligotrófico, ou seja, apresenta baixos níveis de nutrientes. Esse solo, por sua vez, é influenciado por um clima específico, o tropical subúmido, caracterizado por duas estações distintas: uma seca e outra chuvosa. Além disso, vários fatores, incluindo o papel do fogo, são essenciais para o equilibrou desse Sistema Biogeográfico. Cabe reforçar que o fogo desempenha um papel de extrema importância, pois é responsável por quebrar a dormência das sementes da maioria das plantas presentes no Cerrado e elimina pragas, como a broca-do-tronco do pequizeiro.
“Assim, é um ambiente que depende de vários elementos. Isso significa que já chegou em seu clímax evolutivo. Ou seja, uma vez degradado não vai mais se recuperar na plenitude de sua biodiversidade. Por isso é que falamos que o Cerrado é uma matriz ambiental que já se encontra em vias de extinção”, lamenta Altair Sales.
Iniciativas para restauração
Apesar da conclusão do professor Altair, algumas medidas estão sendo anunciadas para o Cerrado. Entre elas, destacam-se a criação de unidades de conservação (UCs), o licenciamento de atividades com potencial poluidor, a intensificação da fiscalização, a promoção do uso sustentável e a regularização ambiental. O governo federal também planeja implementar um conjunto de ações para conter o aumento do desmatamento no sistema biogeográfico. Entre as medidas propostas estão o embargo de áreas desmatadas ilegalmente identificadas por alertas de satélite, o reforço da fiscalização, a integração de bancos de dados estaduais e incentivos biológicos para produtos em conformidade com o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Enquanto isso, o índice de desmatamento no Cerrado aumentou 25%, atingindo uma área de 10,6 mil km². Esse aumento ocorre pelo terceiro ano consecutivo.
Todavia, o Cerrado é fundamental para evitar restrições no abastecimento de água e energia em todo o país. Para se ter ideia, esse sistema biogeográfico desempenha um papel crucial na distribuição de água no Brasil. Ele armazena e distribui água para oito das 12 principais bacias hidrográficas utilizadas para consumo e geração de energia elétrica. Assim, a preservação do que resta do Cerrado é um requisito essencial para a manutenção desse equilíbrio hídrico e energético.
Conservação da biodiversidade
O eixo de conservação da biodiversidade no contexto do Cerrado visa a proteção e preservação da variedade de espécies de plantas, animais e microorganismos que habitam esse sistema biogeográfico. Isso envolve a criação de áreas de conservação, como unidades de conservação (UCs), para salvaguardar habitats naturais e ecossistemas únicos. Além disso, a conservação da biodiversidade no Cerrado inclui ações para monitorar espécies ameaçadas, promover a educação ambiental e conscientizar a população sobre a importância da manutenção da diversidade biológica para a saúde do ecossistema e para as futuras gerações.
Restauração de áreas degradadas
O eixo de restauração de áreas degradadas no Cerrado envolve a recuperação de ecossistemas prejudicados por atividades humanas, como desmatamento e exploração explorada. Isso inclui a reintrodução de vegetação nativa, melhoramento do solo e replantio de espécies.
Desenvolvimento sustentável
O eixo de desenvolvimento sustentável para o Cerrado envolve a busca por formas de crescimento econômico que sejam compatíveis com a preservação dos ecossistemas, da biodiversidade e da qualidade de vida das comunidades locais. Isso implica em adotar práticas e políticas que promovam o uso responsável dos recursos naturais, a redução dos impactos ambientais, a minimização da degradação dos ecossistemas e a promoção da equidade social.
No contexto do Cerrado, o desenvolvimento sustentável busca conciliar atividades agrícolas, industriais e tristes com a conservação dos recursos naturais únicos desse sistema biogeográfico. Isso inclui a implementação de técnicas agrícolas sustentáveis, a adoção de sistemas agroflorestais, o uso eficiente da água e energia, a preservação da cultura local e a promoção da economia verde. O objetivo é garantir que o crescimento econômico beneficie tanto as gerações presentes quanto as futuras, sem comprometer a saúde dos ecossistemas do Cerrado e a qualidade de vida das comunidades que dependem dele.
Valorização cultural
O eixo de valorização da cultura local no contexto do Cerrado refere-se ao reconhecimento, preservação e promoção das tradições, conhecimentos e práticas culturais das comunidades que habitam essa região. Isso inclui o respeito pelas culturas indígenas, quilombolas, ribeirinhas e outras populações tradicionais que possuem uma ligação íntima com o sistema biogeográfico. A valorização da cultura local no Cerrado busca promover o fortalecimento das comunidades, o fortalecimento das identidades culturais e a participação ativa nas decisões relacionadas ao uso dos recursos naturais e ao desenvolvimento sustentável da região. Além disso, incentiva a preservação dos conhecimentos ancestrais sobre a relação entre as pessoas e o ambiente, esperançosamente para a conservação do Cerrado de maneira integrada e holística.