“Houve evidente retrocesso na proteção ambiental, além de distinção injustificada entre danos à flora e danos à fauna”, escreveu a Procuradora-Geral da República, Elizeta Maria de Paiva Ramos
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou, nesta terça-feira, 7, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 7.438/GO) contra o que chamou de “retrocesso” da legislação ambiental em Goiás. O parecer do órgão foi uma resposta ao ministro Cristiano Zanin, relator da ação no Supremo Tribunal Federal (STF).
A ação no Supremo partiu do Observatório de Políticas Socioambientais do Estado de Goiás – grupo composto por mais de 35 instituições ligadas às causas ambientais. Delas, seis – Instituto Altair Sales (IAS); Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (Arca); Rede Cerrado; Instituto Plantadores de Água; Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e Associação Alternativa Terrazul) assinaram a ADI, como “amicus curiae” (amigos da Corte, em tradução livre do Latim). Com isso, elas terão voz durante o julgamento do tema pelo pleno. Por prerrogativa, o ajuizamento foi feito pelo partido político REDE Sustentabilidade, em agosto deste ano.
Confira os principais pontos listados pela PRG
A procuradora-geral da República, Elizeta Maria de Paiva Ramos, acentuou que houve redução do nível de proteção estabelecido legitimamente pela esfera federal em relação a “normatização” modificada em Goiás. “Alterações pontuais na legislação estadual nessa direção, em matéria já regulamentada pela União, criam cenário de enfraquecimento da proteção do patrimônio ambiental e pedem a intervenção da Corte”, aponta o parecer. “Pelas razões adiante expostas e, ainda, corroborando as manifestações dos órgãos técnicos que embasaram o posicionamento da AGU, entende-se que os pedidos devem ser julgados procedentes”, defende.
Acesso à informações
Para embasar a sua manifestação, a chefe do Ministério Público cita a legislação federal. “[O] Art. 31, parágrafo único, da Lei 18.102/2013: Art. 31. (…) Parágrafo único. O acesso aos autos de processo administrativo ambiental será garantido a qualquer cidadão, nos termos das Leis federais nos 10.650, de 16 de abril de 2003, 12.527, de 18 de novembro de 2011, e 8.906, de 04 de julho de 1994, no que couber, após a certificação da notificação do autuado, dando-lhe ciência da lavratura do auto de infração”.
Assim, de acordo com o órgão, o Estado de Goiás inseriu requisito “previamente inexigível para acesso aos autos de processo administrativo ambiental”. O restringe o direito fundamental de acesso à informação, “garantido ao cidadão pelo art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal, além de afrontar o princípio da publicidade que rege a atuação estatal (art. 37, caput, da CF/1988)”. “Informações sobre processo administrativo ambiental são de interesse coletivo, por envolverem, ao fim, a proteção a bem de uso comum de todos, ordinariamente submetida a controle social”, completa.
Acerca ainda da transparência de dados, a PGR vai além: “Note-se que o art. 3º trata das informações que haverão de ser publicadas em diário oficial, independentemente de solicitação de interessados, sendo ali expressamente relacionados os dados referentes a “autos de infrações”. Assim estabelecido pela norma geral federal, não há razão que justifique a distinção promovida para valer exclusivamente no espaço territorial goiano, com redução do nível de acesso à informação”.
Conversão de multas
A procuradoria-geral ressalta que não há lei federal que contemple como escolha possível do autuado optar pela conversão do depósito em fundo privado para gerenciar os recursos públicos de conversão, “nem há previsão de desconto do montante da multa para remuneração dessa gestão”. “Diversamente, a lei federal estabelece que o custo da operacionalização será deduzido dos rendimentos dos valores depositados em conta garantia, e que caberá ao autuado a complementação desse valor quando insuficiente para a cobertura dos custos bancários”, esclarece.
“A supressão, pela lei estadual, do limite percentual para remuneração da gestão do fundo privado, com recursos deduzidos do montante de multas ambientais convertidas, mostra-se incompatível com o procedimento delineado na seara federal, que preserva o montante integral dos recursos recolhidos a título de multa ambiental para o fim a que se destinam: serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”, frisa.
Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Em relação a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) estadual e modificação do § 2º, que possibilita a desvinculação entre os cadastros estadual e federal. A PGR destaca que a norma alterada permite o desenvolvimento de sistema estadual próprio de CAR e suprimiu a previsão de compatibilidade com o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR). “Há, no regramento estadual, manifesta incompatibilidade com o delineamento geral promovido pelo ente federal, no exercício de sua competência normativa”, se manifesta.
“A existência de cadastro nacional, para integração de dados dos entes federativos, é instrumento essencial de controle e fiscalização ambiental, além de indispensável ao conhecimento necessário à elaboração de políticas públicas ambientais. A invalidade da norma impugnada não está na criação em si de cadastro estadual, que é legítimo quando serve à complementação da coleta de dados para melhor monitoramento ambiental em âmbito local, e sim no caráter autônomo que se lhe imprimiu. Cria-se cenário de insegurança jurídica para os proprietários rurais, com possível impacto sobre a quantidade e a qualidade dos registros e informações relacionados aos imóveis rurais, e risco de prejuízo à própria proteção do meio ambiente”, entende.
Sobre o assunto, a PGR apoia-se em manifestação técnica do IBAMA, além de “afastar a exigência dos requisitos para que haja registro do CAR”, a norma “vem desacompanhada de qualquer restrição no sentido de que essa desconsideração não pode resultar na conversão de novas áreas para uso alternativo do solo”. Nesse sentido, o órgão conclui que a consequência será a redução do padrão de proteção ambiental. “A regra impugnada dificulta o controle pelos órgãos ambientais em relação à reserva legal não localizada, avançando em tema já regulado pela União Capítulo IV do Código Florestal (Lei Federal 12.651/12), de modo a desrespeitar a competência da União para legislar sobre normas gerais sobre proteção do meio ambiente”, reprodução informações do IBAMA.
Proteção os campos de murundus
A PGR pontua a perda de proteção aos campos de murundus. É que o art. 9º da Lei estadual 18.104/2013 autoriza a conversão de novas áreas para uso alternativo. “Esta conversão permite, consoante definição do art. 3º, VI, do Código Florestal nacional, a ‘substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana”‘.
Código Floresta
Elizeta Maria exalta o Código Florestal nacional em vigor. “Novamente, a alteração legal promovida implica manifesta redução do nível de proteção ambiental, com usurpação da competência da União exercida quando da edição do Código Florestal”, escreveu.
“A previsão estadual também colide com o regime de proteção da vegetação nativa já bem delineado na esfera federal. A preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa é o objetivo central do Código Florestal brasileiro, que os têm como ‘bens de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta lei estabelecem’, sob pena de uso irregular da propriedade (art. 2º, § 1º)”, arremata.Por fim, a PGR finaliza que são “inconstitucionais as normas estaduais”, que “evidente afronta à usurpação da competência legislativa da União, ao dever estatal de proteção ambiental e à proibição de retrocesso ambiental”.
Leia o parecer da PGR, na íntegra:
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