Congresso Nacional debate mercado de carbono, e Senado deixa de fora agronegócio

Congresso Nacional debate mercado de carbono, e Senado deixa de fora agronegócio

Agronegócio fica fora do projeto para crédito de carbono | Foto: Montagem Compre Rural


Agropecuária é responsável por 25% das emissões de gases de efeito estufa (GEE), segundo estudo da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, a exclusão do setor gerou críticas de ambientalistas.


O mercado de carbono foi criado para forçar as economias a reduzirem as emissões de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), que são responsáveis pelo aquecimento da terra e impulsionam a atual crise climática marcada por eventos extremos de calor, chuvas e secas.


Os gases do efeito estufa lançados na atmosfera vêm aumentando desde a Revolução Industrial (séculos 18 e 19), principalmente por meio da queima de combustíveis fósseis.


Essa é uma das principais preocupações de cientistas, sociedades e governos que vêm mobilizando os encontros sobre o clima desde a Eco 92, que ocorreu no Rio de Janeiro, passando pelo Protocolo de Quioto, em 1997, até o Acordo de Paris, de 2015.


Nesse último encontro, 195 países se comprometeram a combater o aquecimento global “em bem menos de 2º C acima dos níveis pré-industriais”. Já o Brasil se comprometeu a reduzir, até 2030, em 43% a emissão dos gases do efeito estufa em relação aos níveis de 2005.


O mercado de carbono, portanto, faz parte da estratégia de mitigar os efeitos da mudança climática. Mas como ele faz isso?


O pesquisador Shigueo Watanabe Jr, do Instituto Talanoa, explicou que o mercado de carbono força a indústria a trocar seus equipamentos para máquinas que emitam menos carbono, ou não emitam. O Instituto Talanoa compõe o Observatório do Clima e trabalha com o tema das mudanças climáticas.


“Eu quero que alguém troque a sua caldeira a gás por uma caldeira elétrica. Mas ninguém é bonzinho. Então, a ideia do mercado de carbono é começar a cobrar pelas emissões de gases da maneira que esse preço vai subindo até que o industrial vai olhar e ver que está pagando mais pela emissão de carbono do que ele pagaria por uma caldeira nova”, explicou.


O mercado de carbono fixa cotas para emissão de gases do efeito estufa. Com isso, quem emitiu menos do que o permitido ganha créditos, que podem ser vendidos para as empresas que ultrapassaram a meta.


Watanabe explicou que a venda de créditos de carbono é para induzir as indústrias a reduzirem as emissões para ganhar dinheiro. “Quem for mais eficiente e sair na frente vai ser mais barato porque ele vai poder ganhar um pouco de dinheiro com isso. O custo da transição energética toda acaba saindo mais barato para sociedade”, destacou.


Existem dois tipos de mercado de carbono, o voluntário, que depende da iniciativa própria das empresas, e o regulado, imposto por decisão dos Estados nacionais e considerado mais eficiente.


Agricultura e pecuária


Nesta semana, a Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou o projeto que cria o mercado de carbono regulado no Brasil, excluindo a agropecuária dos setores que serão obrigados a se submeter às regras desse mercado. O texto agora deve ser analisado pela Câmara dos Deputados.


Como a pecuária é responsável por 25% das emissões de gases de efeito estufa, segundo estudo da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, a exclusão do setor gerou críticas de ambientalistas.


O pesquisador do Instituto Talanoa, entretanto, argumentou que esses setores não estão incluídos nos mercados de carbono hoje regulados pelo mundo. Sobre a pecuária, sustentou que não tem como reduzir substancialmente as emissões sem reduzir o tamanho do rebanho.


“O cara não tem como trocar. Não tem vaca elétrica. O mercado de carbono não serve para a pecuária. Não é nenhum problema técnico, é que não tem como fazer essa substituição”, destacou. A emissão de metano da pecuária ocorre por meio dos gases que o gado libera.


Sobre a agricultura, Watanabe explicou que o setor emite carbono por dois mecanismos principais: por meio da aplicação de fertilizantes fósseis e devido às plantações alagadas de arroz, comuns no Rio Grande do Sul. Nesses casos, ele defende a adoção de medidas distintas que possam transformar essas práticas.


“O governo tem que arrumar meios e oferecer condições para que esses outros setores regulem suas emissões. É só que este mercado de carbono do projeto de lei não é um instrumento adequado para fazer isso”, concluiu.


A Comissão de Meio Ambiente (CMA) aprovou por unanimidade nesta quarta-feira (4) o projeto de lei (PL) 412/2022, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. A senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da CMA e relatora da matéria, apresentou um novo substitutivo que exclui o agronegócio de obrigações previstas no Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). A matéria segue para a Câmara dos Deputados, a menos que haja pedido para votação no Plenário.


O SBCE prevê cotas de emissão anual de gases de efeito estufa distribuídas aos operadores. De acordo com a proposição, quem reduzir as próprias emissões pode adquirir créditos e vendê-los a quem não cumprir suas cotas. O objetivo é incentivar a redução das emissões, atendendo a determinações da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187, de 2009) e acordos internacionais firmados pelo Brasil.


De acordo com o PL 412/2022, ficam sujeitas ao SBCE empresas e pessoas físicas que emitirem acima de 10 mil toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e) por ano. Esses operadores devem monitorar e informar suas emissões e remoções anuais de gases de efeito estufa. Quem emitir mais de 25 mil tCO2e também deve comprovar o cumprimento de obrigações relacionadas à emissão de gases.


A votação da matéria foi possível após um acordo firmado com a Frente Parlamentar da Agropecuária, que sugeriu emendas ao texto. A última versão do relatório traz um novo parágrafo que não considera a produção primária agropecuária como atividades, fontes ou instalações reguladas e submetidas ao SBCE. Outro dispositivo aprovado retira do sistema as emissões indiretas decorrentes da produção de insumos ou de matérias-primas agropecuárias.


“O mérito das emendas reflete o que se observa nos principais mercados regulados de carbono em que a agropecuária não é incluída na regulação, sobretudo pela importância do setor para a segurança alimentar e pelas muitas incertezas ainda existentes na metodologia de estimativa de emissões. Entendemos que mais importante do que regular atividades agropecuárias é incentivar a difusão de técnicas de agricultura de baixo carbono que, ao mesmo tempo, aumentem a renda do produtor rural, tornem os sistemas rurais mais resilientes aos efeitos adversos da mudança do clima e proporcionem redução e sequestro de emissões”, disse Leila Barros.


A reunião desta quarta-feira contou com a presença do ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais. Parlamentares que representam a bancada ruralista elogiaram a mudança.


“O agro neste momento é excluído. Fizemos um acordo que foi integralmente cumprido. Já estamos trabalhando para que o agro tenha suas métricas e possa estar nesse mercado em breve, mas com segurança e com as nossas métricas”, afirmou a senadora Tereza Cristina (PP-MS).


Ativos


Segundo o PL 412/2022, o órgão gestor do SBCE deve elaborar o Plano Nacional de Alocação (PNA), que vai definir a quantidade de emissões a que cada operador tem direito. Essa quantidade é representada pelas Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs). Cada CBE (equivalente a 1 tCO2e) é considerada um ativo comercializável, que pode ser recebida gratuitamente pelos operadores ou comprada para “conciliar” as metas de emissão.


Além das CBEs, o projeto cria o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). Outro ativo comercializável, o CRVE representa o crédito de carbono gerado pela efetiva redução de emissões ou remoção de 1 tCO2e de gases de efeito estufa. O certificado também pode ser comprado pelas empresas e usado no cálculo para comprovar o cumprimento de suas metas. Além disso, o CRVE pode ser usado, após autorização, em transferências internacionais no âmbito do Acordo de Paris.


Todos os operadores devem apresentar periodicamente um plano de monitoramento e um relato das emissões e remoções de gases de efeito estufa. Já aqueles com emissões superiores a 25 mil tCO2e devem comprovar que detém CBEs e CRVEs equivalentes a suas emissões.


Esses ativos podem ser transacionados em bolsa de valores conforme regulamentação a ser feita pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Sobre o lucro resultante da venda incide imposto de renda, calculado sobre o ganho líquido quando a transação ocorrer na bolsa, ou sobre o ganho de capital, nas demais situações.


Sobre as transações, não incidem tributos como PIS/Pasep ou Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O uso de CBEs e CRVEs para compensar emissões permite a dedução dos gastos relacionados na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).


Segundo o PL 412/2022, o PNA deve ser aprovado pelo menos 12 meses antes de entrar em vigor e pode estabelecer tratamento diferenciado para determinados setores em razão das características das atividades, do faturamento, da localização e dos níveis de emissão. Todos os ativos devem estar inscritos no Registro Central do SBCE, onde deve ser feita a contabilidade de CBEs e CRVEs concedidos, adquiridos, detidos, transferidos e cancelados (usados na conciliação de metas).


Punições


O descumprimento das regras do SBCE pode acarretar punições como multa de até R$ 5 milhões ou 5% do faturamento bruto da empresa. Um ato do órgão gestor do SBCE vai definir as infrações puníveis. Outras sanções previstas são:


O projeto prevê que pessoas físicas e jurídicas não obrigadas a participar do SBCE podem ofertar voluntariamente créditos de carbono. A regra vale para créditos gerados a partir de projetos ou programas de redução ou remoção de gases de efeito estufa, como a recomposição de áreas de preservação permanente ou de reserva legal.


Se cumprirem as regras do sistema, esses créditos podem ser convertidos em CRVEs e vendidos. Povos indígenas e comunidades tradicionais, como quilombolas, também podem gerar CRVEs a partir de projetos realizados nos territórios que ocupam.


Governança


Pelo substitutivo aprovado pela CMA, o SBCE terá um órgão gestor encarregado de regular o mercado e rever limites anuais de emissão de gases de efeito estufa acima do qual os operadores serão obrigados a monitorar suas emissões. Outras atribuições do órgão gestor são:

  • elaborar e implementar o PNA;
  • emitir e leiloar CBEs;
  • apurar infrações; e
  • aplicar punições pelo descumprimento das regras do sistema.


As diretrizes gerais do SBCE serão estabelecidas pelo Comitê Interministerial para Mudança do Clima, ao qual também caberá a aprovação do PNA. O projeto prevê ainda um órgão consultivo chamado Comitê Técnico Consultivo Permanente, que deve apresentar subsídios e recomendações para o aprimoramento do SBCE.

Período transitório


O PL 412/2022 estabelece um prazo transitório para a entrada em vigor das regras relacionadas ao SBCE. De acordo com o texto, o órgão gestor terá até dois anos para regulamentar o sistema. Depois de feita a regulamentação, os operadores terão mais dois anos antes de serem obrigados a conciliar suas metas — dentro desse prazo, devem apenas apresentar planos e relatos de emissões.


De acordo com a relatora, Leila Barros, o mercado de carbono movimentou cerca de US$ 100 bilhões em 2022, com sistemas em funcionamento em diversos países. “O Brasil tem papel crucial para suprir a demanda de ativos ambientais no contexto de um mercado global de carbono, considerando nosso imenso patrimônio florestal e nossa matriz energética. Um robusto marco regulatório é a base para a transição econômica e climática pretendida”, escreveu a parlamentar no relatório.


*Com informações da Agência Brasil e Senado

Fontes: Entenda o que é e para que serve o mercado de carbono

CMA exclui agronegócio e aprova projeto que regulamenta mercado de carbono


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