Por Emiliano Lobo de Godoi
Professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (URG)
De acordo com dados do IBGE, cerca de 84% dos habitantes do Brasil vivem na zona urbana. Isso significa que, aproximadamente, 180 milhões de pessoas vivem nas cidades, com hábitos cada vez mais distantes do ambiente natural. Vivemos hoje em um ambiente construído, iluminados por luzes artificiais, alimentados por comidas ultra processadas e segregados por paredes de concreto.
Neste ambiente artificial, em que o natural é o mundo virtual, fica cada vez mais difícil despertar a preocupação ambiental em nossa sociedade. A água sai de nossas torneiras sem sabermos de onde vem e nem para onde vai. O sol nos ilumina sem sabermos onde nasce e, muito menos, onde se põe. A comida surge em nossos pratos quase que por um milagre, por meio de aplicativos de entrega. Nem o fogão é mais necessário.
Notícias que nos chegam sobre degradação ambiental, poluição das águas ou contaminação dos oceanos são ouvidas como se viessem de um outro planeta, em que não temos absolutamente nenhuma relação ou qualquer tipo de responsabilidade. Ou seja, não são problemas nossos e nem irão nos afetar, afinal, vivemos em um ambiente supostamente protegido por paredes e aparelhos de ar condicionado, em que raros são os momentos em que tiramos nossos olhos das telas dos celulares e computadores, e olhamos ao nosso redor.
Como despertar a preocupação ambiental pelas florestas se não estamos preocupados nem com o que acontece em nossas ruas? Como resgatar o valor de uma árvore ou de uma floresta, se nem a vida de um ser humano já não nos sensibiliza?
Porém, são exatamente esses nossos atuais modelos de vida que pressionam cada vez mais o esgotamento dos recursos naturais. Não estamos isolados da natureza por mais urbana que seja nossa vida. As águas que saem em nossas torneiras dependem das chuvas, e essas chuvas dependem das florestas. Antes do mundo ter sido conectado virtualmente por meio da internet, a natureza já estava conectada por meio de seus ecossistemas.
Diversas doenças que chegam às nossas cidades têm relação direta com o desmatamento. Ambientes naturais, como a Amazônia ou o Cerrado, abrigam milhares de espécies de micro-organismos ainda desconhecidas pela ciência. Entre elas, existem vírus, bactérias, fungos e parasitas. Diversos são inofensivos, porém, outros podem aumentar significativamente os riscos de zoonoses, e os desmatamentos geram maior proximidade entre animais silvestres e seres humanos.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), cerca de 60% das infecções em humanos têm origem em um animal. Doenças que causaram transformações profundas na sociedade, como a gripe aviária, a H1N1, a febre amarela e o Zika vírus são zoonoses indiretas. Assim, evitar desmatamentos reduz os riscos de pandemias e perdas de vida.
As florestas tropicais também possuem conexão direta com os eventos climáticos extremos. Relatório do World Weather Attribution (WWA), divulgado no último dia 5 de julho aponta que os temporais que promoveram grandes tragédias em cidades do Nordeste brasileiro nos últimos meses, em especial na região metropolitana de Recife, estão associados às mudanças climáticas, que se agravam com os desmatamentos. Assim, evitar desmatamentos reduz os riscos de tragédias urbanas.
É necessário e urgente nos desconectarmos um pouco mais do mundo artificial e nos conectarmos com o mundo natural. Mesmo vivendo nas grandes cidades, é preciso abris nossas cortinas, olhar além de nossas janelas, e perceber que grande parte do que precisamos e dependemos vem de um mundo real, e não de um planeta virtual. Quem sabe assim, com a percepção maior do espaço em que vivemos e das pessoas que vivem aos nosso lado, nos tornemos um pouco mais sensíveis aos estragos que estamos promovendo ao planeta.
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