Dia Internacional dos Povos Indígenas: o lamento do cacique Seattle em carta ao presidente dos EUA

Dia Internacional dos Povos Indígenas: o lamento do cacique Seattle em carta ao presidente dos EUA

Dia Internacional dos Povos Indígenas foi instituído pela ONU | Foto: divulgação/Internet


Dia Internacional dos Povos Indígenas foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1995; entenda


O Dia Internacional dos Povos Indígenas é lembrado em 9 de agosto e foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1995, com o intuito de garantir a autodeterminação e os direitos humanos das diversas etnias indígenas em todo o mundo. Nesta data é bom relembrar a carta do cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviada ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), em 1855. Em resposta ao interesse do governo em comprar as terras indígenas.


Segundo a ONU, a data tem como propósito fundamental assegurar condições de vida dignas aos povos indígenas globalmente, abarcando o direito à autodeterminação em relação a suas culturas e formas de vida, além da salvaguarda dos Direitos Humanos.


A Gênese do Dia Internacional dos Povos Indígenas


Oficializado por um decreto da ONU em 9 de agosto de 1995, este dia é fruto da ação conjunta de representantes de povos indígenas de diversas partes do planeta. A iniciativa surgiu como resposta aos contínuos ataques sofridos por esses povos em seus territórios, séculos após o contato forçado com as culturas europeias, marcando um período de mais de quinhentos anos de imposição de modos de vida e sociabilidades externas.


A sequência desse decreto levou à criação de grupos de trabalho para desenvolver uma declaração das Nações Unidas a respeito do tema. Em 29 de julho de 2006, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e um ano após, em 13 de setembro de 2007, a Assembleia Geral da ONU ratificou a Declaração.


O Cerne da Declaração: autodeterminação e Igualdade de Direitos


Um dos princípios fundamentais da declaração é a garantia da autodeterminação a todos os povos indígenas, reconhecendo o direito deles a decidir livremente sobre seu destino, desenvolvimento econômico, social e cultural, como expresso no artigo 3º.


No artigo 1º da Declaração, as diversas etnias indígenas têm assegurado “o pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos”. Isso equipara seus direitos aos garantidos pela ONU a todos os outros povos e etnias do mundo.


Marco de apoio e reconhecimento


A promulgação desta declaração representa um avanço significativo para os povos indígenas, especialmente após os amplos impactos infligidos por meio dos ataques perpetrados pelas classes dominantes europeias durante as Grandes Navegações no século XV. Essa declaração respalda a resistência econômica, política, religiosa e cultural que diversas etnias indígenas continuam a manter.


No contexto brasileiro, essa declaração é especialmente relevante para os aproximadamente 850 mil indígenas que residem no território nacional, pertencentes a mais de 200 etnias, conforme registrado pelo Censo Demográfico do IBGE em 2010.


“Em tempo finalizei este singelo vídeo com uma mensagem que jamais será esquecida que é a ‘Carta do Cacique Seattle’ escrita em 1855 nos Estados Unidos”, indigenista Renato Sanchez.


Carta do Cacique Seattle de 1855, na íntegra  


“O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra.


Como podeis comprar ou vender o céu, a tepidez do chão? A ideia não tem sentido para nós. Se não possuímos o frescor do ar ou o brilho da água, como podeis querer comprá-los?


Qualquer parte desta terra é sagrada para meu povo. Qualquer folha de pinheiro, qualquer praia, a neblina dos bosques sombrios, o brilhante e zumbidor inseto, tudo é sagrado na memória e na experiência de meu povo. A seiva que percorre o interior das árvores leva em si as memórias do homem vermelho.


Os mortos do homem branco esquecem a terra de seu nascimento, quando vão andar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta terra maravilhosa, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós.


As flores perfumadas são nossas irmãs, os gamos, os cavalos e a majestosa águia, todos nossos irmãos. Os picos rochosos, a fragrância dos bosques, a energia vital do pônei e do homem, tudo pertence a uma só família. Assim, quando o grande chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossas terras, ele está pedindo muito de nós.


O grande Chefe manda dizer que nos reservará um sítio onde possamos viver confortavelmente por nós mesmos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Se é assim, vamos considerar a sua proposta sobre a compra de nossa terra. Mas tal compra não será fácil, já que esta terra é sagrada para nós. A límpida água que percorre os regatos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos ancestrais. Se vos vendermos a terra, tereis de lembrar aos vossos filhos que ela é sagrada, e que qualquer reflexo espectral sobre a superfície dos lagos evoca eventos e fases da vida do meu povo.


O marulhar das águas é a voz dos nossos ancestrais. Os rios são nossos irmãos, eles saíam da sede. Levam as nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se vendermos nossa terra a vós, deveis vos lembrar e ensinar a vossas crianças que os rios são nossos irmãos, vossos irmãos também, e deveis a partir de então dispensar aos rios a mesma espécie de afeição que dispensamos a um irmão.


Nós mesmos sabemos que o homem branco não entende nosso modo de ser. Para ele um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, depois que a submete a si, que a conquista, ele vai embora, à procura de outro lugar. Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa.


A cova de seus pais é a herança de seus filhos, ele os esquece. Trata a sua mãe, a terra, e seus irmãos, o céu como coisas a serem compradas ou roubadas, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes contas sem valor. Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos. Isso eu não compreendo. Nosso modo de ser é completamente diferente do vosso. A visão de vossas cidades faz doer aos olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e como tal, nada possa compreender. Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde haja silêncio, paz. Um só lugar onde ouvir o farfalhar das folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto.


Talvez seja porque sou um selvagem e não posso compreender. O barulho serve apenas para insultar os ouvidos. E que vida é essa onde o homem não pode ouvir o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs à margem dos charcos à noite? O índio prefere o suave sussurrar do vento esfrolando a superfície das águas do lago, ou a fragrância da brisa, purificada pela chuva do meio-dia ou aromatizada pelo perfume dos pinhos. O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Os animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece não se importar com o ar que respira. Como um cadáver em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro.


Mas se vos vendermos nossa terra, deveis vos lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar insufla seu espírito em todas as coisas que dele vivem. O ar que vossos avós inspiraram ao primeiro vagido foi o mesmo que lhes recebeu o último suspiro. Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la à parte, como sagrada, como um lugar onde mesmo um homem branco possa ir sorver a brisa aromatizada pelas flores dos bosques.


Assim consideraremos vossa proposta de comprar nossa terra. Se nos decidirmos a aceitá-la, farei uma condição: O homem branco terá que tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo de outro modo. Tenho visto milhares de búfalos a apodrecerem nas pradarias, deixados pelo homem branco que neles atira de um trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o búfalo, que nós caçamos apenas para nos mantermos vivos. Que será dos homens sem os animais? Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria de solidão espiritual. Porque tudo isso pode cada vez mais afetar os homens. Tudo está encaminhado.


Deveis ensinar a vossos filhos que o chão onde pisam simboliza as cinzas de nossos ancestrais. Para que eles respeitem a terra, ensinai a eles que ela é rica pela vida dos seres de todas as espécies. Ensinai a eles o que ensinamos aos nossos: Que a terra é a nossa mãe. Quando o homem cospe sobre a terra, está cuspindo sobre si mesmo. De uma coisa nós temos certeza: A terra não pertence ao homem branco; O homem branco é que pertence à terra. Disso nós temos certeza. Todas as coisas estão relacionadas com o sangue que une uma família. Tudo está associado.


O que fere a terra fere também aos filhos da terra. O homem não tece a teia da vida: É antes um dos seus fios. O que quer que faça a essa teia, faz a si próprio. Mesmo o homem branco, a quem Deus acompanha e com quem conversa como um amigo, não pode fugir a esse destino comum. Talvez, apesar de tudo, sejamos todos irmãos. Nós o veremos. De uma coisa sabemos, é que talvez o homem branco venha a descobrir um dia: Nosso Deus é o mesmo Deus.


Podeis pensar hoje que somente vós o possuis, como desejais possuir a terra, mas não podeis. Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual tanto para o homem branco, quanto para o homem vermelho. Esta terra é querida dele, e ofender a terra é insultar o seu criador. Os brancos também passarão talvez mais cedo do que todas as outras tribos.


Contaminai a vossa cama, e vos sufocados numa noite no meio de vossos próprios excrementos. Mas no nosso parecer, brilhareis alto, iluminado pela força de Deus que vos trouxe a esta terra e por algum favor especial vos outorgou domínio sobre ela e sobre o homem vermelho.


Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como será no dia em que o último búfalo for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os secretos recantos das florestas invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueada por fios falantes.


Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. O fim do viver e o início do sobreviver.”


Vídeo homenagem, por Renato Sanchez


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