Estamos vivendo momentos de glória em nosso estado, motivados pelo agronegócio. Ano a ano temos um aumento da produção de grãos, e as riquezas geradas fizeram de Goiás um dos estados mais atrativos para se viver e fazer negócios. Fechamos o ano de 2022 com recorde de produção e como quinto estado com o maior Valor Bruto de Produção (VBP) – e as perspectivas para a safra de 2023/2024 também são alvissareiras. Alguns fatores que justificam esse crescimento são a modernização do processo produtivo e a adoção de tecnologias que ajudaram a alavancar a gestão do processo produtivo.
Ora, se estamos crescendo, por que devemos nos preocupar?
A agropecuária depende grandemente do sistema climático. Assim, tem que chover na hora certa para o plantio, e esse equilíbrio de chuvas e períodos de estiagem deve permanecer harmônico até a hora da colheita. Há que se pensar também que várias culturas necessitam de irrigação, o que faz com que o setor agropecuário seja altamente dependente e consumidor de recursos hídricos.
Estamos, entretanto, em um período de mudanças climáticas e essas alterações têm sido vividas, muitas vezes, de forma dramática pelo Brasil e pelo mundo. São os extremos climáticos e nossa região não está imune a isso.
É de suma importância que comecemos a planejar nossa economia se queremos continuar com a balança positiva e em crescimento. Faz parte do badalado “ESG”, sigla em inglês que visa associar a gestão a fatores ambientais, sociais e de governança dos negócios. É primordial, para a sobrevivência dos negócios, que haja planejamento, prevenção e que a gestão esteja associada a esses fatores.
Falar de produção agropecuária, portanto, não pode estar dissociado (e nem pode haver polarização) das questões ambientais. Esse é um setor que precisa estar preocupado com a segurança hídrica para que continue a bater recordes de produtividade e possa mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Nesse contexto, insere-se a necessidade de que tenhamos um olhar de cuidado com a vegetação nativa, ou seja, nosso Cerrado. É conhecido como “berço das águas” pela grande quantidade de nascentes e por seu papel fundamental na formação de importantes bacias hidrográficas brasileiras, como a bacia Amazônica, a do São Francisco, a do Paranaíba: espalhamos, generosamente, águas para todas as regiões do Brasil. São justamente as raízes profundas das árvores do Cerrado que propiciam o armazenamento da água da chuva nos lençóis freáticos que vão abastecer nossos cursos d’água e trazer esse bem tão precioso chamado água.
Pensar em avançar em áreas onde ainda há vegetação nativa como forma de aumento da produção é o mesmo que “matar a galinha dos ovos de ouro” para lucrar com a venda de frango. Sem a galinha não há ouro, sem o Cerrado não há água, não há agronegócio, não há produção, lucro ou abastecimento – e logo não haverá Cerrado se não o protegermos e preservarmos.
Estamos no mês de comemoração do Dia do Cerrado. Esta é uma data que deve ser reverenciada também pelo agronegócio, mas de forma verdadeira, com planejamento que envolva a sua proteção. Assim, aproveitar-se de – e criar novos – permissivos legais que permitem o “desmatamento legal” é dar um tiro no pé para a produção agropecuária que tanto necessita de água e outros serviços ambientais prestados pelo que ainda nos resta do bioma.
A manutenção dos índices de produtividade precisa estar aliada à proteção do Cerrado. Não é matando a galinha dos ovos de ouro, por um lucro fugaz e passageiro, que garantimos os rendimentos. Não é com a destruição do Cerrado que alcançaremos novos recordes de produtividade e faturamento.
O equilíbrio e o crescimento desse importante setor passam pela proteção do nosso bioma para que a água continue a brotar trazendo fartura à nossa região. É assim que vamos salvar o agronegócio.
Por Luciane Martins de Araújo é advogada, doutora em Ciências Ambientais
Fonte: Jornal O Popular, publicado em 22 de setembro de 2023
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